Um brasileiro à frente de seu tempo

Quem já ouviu falar do italiano Guglielmo Marconi provavelmente associa a seu nome as primeiras experiências de transmissão da voz a distância. No entanto, no Brasil, um padre gaúcho já tinha obtido êxito na transmissão e recepção de voz humana, do tic-tac do relógio e música sem o intermédio de fios, numa experiência realizada no bairro de Santana, na capital paulista.

Roberto Landell de Moura, o Padre Landell, protagonizou uma história de criatividade, persistência e dificuldades. Um homem que soube unir ciência e fé, trabalhou firme em uma terra que estava longe de ser o berço dos grandes pensadores ou que, pelo menos, não lhes dava valor, nem incentivo. Taxado como louco, bruxo e de ter pacto com o diabo, seguiu com suas teorias e inventos, avançando significativamente em diferentes campos, como medicina, psicologia e comunicações.

O brasileiro que "inventou" o rádio, a televisão e o teletipo nasceu em 1861 em Porto Alegre - foi o quarto dos 14 filhos de Ignácio José Ferreira de Moura e Sara Marianna Landell de Moura. Estudou Direito Canônico, Física e Química na Itália. De volta ao Brasil, já como sacerdote e físico, encontra em Dom Pedro II um interessado pelos trabalhos desenvolvidos sobre transmissão de som - talvez o único governante simpático às idéias do padre cientista. Cinco anos mais tarde, em Campinas, desenvolve suas idéias sobre transmissão sem fio:

"Todo movimento vibratório que até hoje, como no futuro, pode ser transmitido através de um condutor, poderá ser transmitido através de um feixe luminoso; e, por esse mesmo fato, poderá ser transmitido sem o concurso desse agente''.

"Todo movimento vibratório tende a transmitir-se na razão direta de sua intensidade, constância e uniformidade de seus movimentos ondulatórios, e na razão inversa dos obstáculos que se opuserem à sua marcha e produção''.

"Dai-me um movimento vibratório tão extenso quanto a distância que nos separa desses outros mundos que rolam sobre nossa cabeça, ou sob nossos pés, e eu farei chegar minha voz até lá''.

Segundo alguns autores, como Hamilton Almeida, este último princípio teria desencadeado a ira de alguns fiéis, culminando na destruição de seu laboratório. Para outros, como Ivan Dorneles Rodrigues, as empresas de telefonia que operavam no Brasil naquela época consideravam Landell uma ameaça. Recuperando-se do incidente, em 1893, do alto da Avenida Paulista ao morro de Sant'Anna, numa distância de aproximadamente oito quilômetros, em linha reta, Landell realizou a primeira experiência de radiotelefonia de que se tem registro, mas não há documentos que comprovem o fato a não ser a primeira biografia sobre o padre cientista, escrita por Ernani Fornari. Já em 1899 e 1900, jornais citam a experiência, dando fé do pioneirismo do brasileiro.

Em 1901, o padre, finalmente, obtém a primeira patente brasileira. Meses depois, embarca para os Estados Unidos, onde permanece por quatro anos refazendo seus aparelhos a fim de patenteá-los naquele país. Neste período, precisa interromper seus estudos por diversas vezes para tratar de sua frágil saúde, em Cuba.

De volta ao Brasil, mesmo obtidas as três patentes norte-americanas (transmissor de ondas, telégrafo sem fio e telefone sem fio), não consegue o apoio das autoridades e abandona seus estudos na área das telecomunicações. Dedica-se mais à Igreja, ao estudo do espiritismo e dos fenômenos ligados à energia que circunda os corpos vivos, à qual intitulou "perianto" e que hoje recebe o nome de bioeletrografia.

Padre Landell já é reconhecido por seu trabalho em outros países, como Alemanha e Estados Unidos. No Brasil, o apoio de radioamadores e jornalistas vem dando novo fôlego ao estudo e divulgação de sua obra. Ele foi pioneiro - há provas disso - no que se refere ao desenvolvimento da radiotelefonia, ou o princípio básico do rádio como conhecemos hoje. Construiu o telégrafo sem fio, capaz de transmitir código Morse a longas distâncias. Desenvolveu também projetos de transmissão da imagem à distância, 20 anos antes de a televisão ser lançada.

Seu mérito é inegável. As pesquisas atuais propõem o reconhecimento de seu nome entre tantos outros cientistas que atuaram diretamente na história das telecomunicações.

3 comentários:

Unknown disse...

Prezado Rafael

Parabéns pelo seu trabalho e pelo prêmio conquistado.

Percebemos que as sementes deixadas em solo fértil por
todos aqueles nos antecederam no passado, continuam
ainda a germinar e a produzir bons frutos, como é o
caso de seu mais recente trabalho.

Tenho como certo que outros se juntarão em número cada
vez maior no trabaho de divulgação da obra de Landell,
apesar de encontrar aqui e acolá algumas resistências
exatamente de onde não deveriam vir.

Um grande abraço e sucesso sempre em sua carreira
profissional.

Luiz Netto

Unknown disse...

Não entendi o porquê de haver colocado a palavra inventou entre aspas. Não consegui compreender a ironia. Por favor, explique.

Rafael Cogo disse...

Maribondo, o termo entre aspas não significa uso de ironia. A partir das entrevistas que compõem o documentário, é possível perceber que em cada ponto do mundo, havia cientistas que se dedicaram aos estudos da radiotelegrafia e radiotelefonia. A cada um coube escrever um capítulo da história da invenção do rádio como conhecemos hoje.

Nesse caso, portanto, o emprego das aspas reafirma que padre Landell é um dos inventores do rádio, mas não está sozinho, pois outros também se dedicaram a essas descobertas.